sábado, 27 de outubro de 2012

SENHORA DOS AFOGADOS DO GRUPO ORIGEM

Senhora dos Afogados estreou dia 25 de outubro de 2012, no Teatro Direcional.



       É a primeira vez que tive a oportunidade de ver em cena uma peça escrita pelo renomado dramaturgo Nelson Rodrigues. Embora o espetáculo fosse num tom trágico, lúgubre, de emoções fortes, chocantes até, teve momentos hilariantes transitando pelo humor mais irônico, deboche escancarado que deu leveza e acentuou o contraste marcado entre os personagens da trama.
      O texto ficou em destaque em cena o tempo todo, a excelente interpretação dos atores deu um brilho especial ao espetáculo com aquela discreta solenidade e aparente calmaria naquela ambientação lúgubre, entre elegante e por vezes ríspido, ameaçador...
Uma das coisas que mais me chamou a atenção é o simbolismo das mãos de mãe e filha, feito espelhos d’agua refletindo características que as duas não queriam que fossem suas, estranho, pois as mãos ‘tinham vida própria’ – digamos - e ao final as mãos da mãe foram decepadas como que castigada para não acariciar mais ninguém e ser privada de morar na tal ‘ilha’ misteriosa e mítica – ao que parece – em que apenas mulheres da vida iam habitar depois de mortas. Uma viagem bem inusitada pelo imaginário que os mortais tem a respeito das mulheres... uma espécie de ilha dos desejos, dos mais completos e loucos desejos de luxúria e devaneio quem sabe...remete um pouco aos mitos das ninfas, das amazonas, das deusas gregas...
     O autor desnuda os tabus da sociedade patriarcal, capitalista, hipócrita que tem sempre duas medidas, duas moedas de troca, duas caras, dois chifres (quem sabe), dois martelos, dois machados... para tudo e que resolve suas diferenças pelo exercício do poder sanguinário, onde não é possível o amor desinteressado, puro. O “amor” torna-se nessa visão uma moeda de troca, um campo de disputa de poder, de usurpação e de subjugação ao poder de quem é mais forte, que infelizmente ainda impera nos dias de hoje em diversas formas e com requintes de crueldade aprimoradas.
     A concepção do cenário com elementos amazônicos deu uma atualidade e uma aproximação com a realidade local, regional e os efeitos de luz e sombra, de sons e silêncios foi formidável, maravilhoso no conjunto. Esses elementos amazônicos em cena transportaram as cenas para a beira do cais do rio aqui pertinho, quase dava para sentir não o mar, mas o rio, misterioso, imenso, o rio feito mar, o Grande rio-Mar amazônico... acompanhando aquelas falas que lembravam o mar, o barulho, os sons do mar, o cheiro do mar nos cabelos...o mar que não devolve os afogados enfim...bem rico em detalhes e sensações que fluíam do texto e da excelente interpretação. Além disso tem a presença daqueles “vizinhos” que ora eram o coral que ecoava o que diziam os Drummond, outras vezes acusavam e por vezes choravam, lamuriavam pela morta há 19 anos, naquele movimento com os vestidos todos de preto, de velório com as velas na cabeça feito faroletes antigos em antiquíssimas procissões e ladainhas...o movimento que ao início e ao final estes ‘vizinhos’ fazem parece-me que era como se representassem a fúria do mar, do rio traiçoeiro que engole e não devolve os afogados...quem sabe? O patriarca Mizael representa bem aqueles coronéis de todas as épocas, prepotente, cruel, a personificação do poder que se vangloria de riquezas a custa de sangue alheio, de suor alheio, riqueza maldita, injusta. A Eduarda representa como a mulher é considerada nessa sociedade machista, hipócrita: apenas um objeto de uso, de troca, usada e abusada por todos os lados, desprezada como estrangeira e humilhada ao extremo, não teve direito de viver dignamente, triste figura, retrato da tragédia extrema. E o que falar de Moema? Ela representa aquela vilã que se deu mal. A que quis ser a única mulher do próprio pai, tornou-se até assassina das irmãs com tal intuito, mas enlouquece quando se sente cega e se espelha na lânguida figura da mãe que ela tanto odiava mas perde o pai nos seus braços e enlouquece de vez e a fúria do mar também a engole para se juntar aos que ela mesmo afogou. O autor mostra e desnuda a falência total dessa sociedade hipócrita que ruiu carcomida por dentro. Adorei o espetáculo, nos traz sempre boas reflexões de nítida atualidade. E vejam que o autor está fazendo o seu centenário este ano... parabéns a todos da peça, maravilhoso trabalho de equipe. Viva a arte de fazer teatro com artistas da terra do Grande rio-Mar. Parabéns a todos, a todas!

Rosa Bautista – Crítica Paraguaia

Manaus, 26/10/2012

domingo, 27 de maio de 2012

SENHORA DOS AFOGADOS




Prevista para Agosto de 2012, a estréia do espetáculo
SENHORA DOS AFOGADOS, de Nelson Rodrigues,
encenada pelo Grupo Origem. Quem assina a direção é 
Jorge Bandeira e a produção é de Chico Cardoso.
No Elenco Mary Maia, Juliana Mesquita, Leila Lima, 
Eduardo Klinsmman, Gladstone Melo e o premiado
Michel Guerrero, que novamente fecha parceria com
o Grupo Origem. Acompanhe a montagem aqui pelo
Blog, postaremos o processo de montagem
a partir de 03 de julho.

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

O MÁGICO DE LA ZONE – DOROTHY GARLAND


Para Michel Guerrero.

Um ritual muito estranho, estranhíssimo. Alguns ficaram confusos com o que foi apresentado naquela noite no Teatro Amazonas. Casa lotada. Ranger de cadeiras sendo arrastadas pelas frisas dos pavimentos. Dorothy Garland estava começando. Elenco numeroso, contei 24 intérpretes, nem sei se a conta está certa. A cena inicial acontece, em alguns minutos todos os índios estão mortos, assassinados de forma violenta, à queima-roupa. Restaram bem poucos, alguns sobreviveram e estavam assistindo Dorothy Garland, mais um texto da saga de La Zone, de autoria de Sérgio Cardoso, o dramaturgo misto de cinéfilo, que coloca muito de sua paixão cinematográfica em sua cena. Na direção, Chico Cardoso, que consegue a proeza de inserir as visões de Sérgio num palco repleto de gente, atores e atrizes sinceros em suas limitações, mas que carregam uma gana de atuar, de jogar com a emoção. Canções indígenas que se misturam com Over the Rainbow, tribo e tela, Judy Garland e Dona Doró, personagens que vivem tão perto e tão longe, parafraseando outro filme.

Filmes são a base da carpitaria de escriba dramatúrgico, deste Sérgio Cardoso que a cada peça de Teatro revive La Zone e suas mulheres, as guerreiras urbanas e/ou indígenas que perderam a identidade nesta cidade que vive de restos do que foi, que tenta ser algo e ter uma cara, mas que não tem mais um rosto autêntico. A encenação de Chico Cardoso tenta conferir veracidade para a situação, e consegue isso muitas das vezes, talvez não de forma integral, pois se percebe que algumas cenas ainda precisariam de certo tratamento, de um apuro.

Um elenco numeroso, muito heterogêneo, talvez tenha sido o grande problema que Chico, honestamente, tentou resolver, e isso foi uma tarefa difícil, tenho certeza. A ajuda veio da dança, que fez os encadeamentos importantes para a trama tragicômica que é a colagem do texto. Texto que cruza várias influencias e cronologias. Weldson Rodrigues fez este papel de coreógrafo exemplarmente e você percebe que o elenco deu o máximo de si para que mantivesse a ideia de união dos movimentos, e isso é ponto fundamental para entender o porquê deste espetáculo ter tido a anuência do público naquela noite teatral. Aqui ressalto alguns trabalhos interpretativos, seja de Victor kaleb e seu Reverendo JJ Tompson, Juliana Mesquita com sua exagerada proposital Ginger Judy ou Diego Bauer com o afetado igualmente exagerado Billy Bob.

O exagero foi a marca deste espetáculo, uma exacerbação de sentimentos, uma matança desenfreada, um pastelão de cine-teatro, uma situação de horror e de cena politicamente incorreta, mas que serviram para demarcar este território crítico, de fazer a tônica inversa de um
Teatro que não se propõe a discutir antropologias, aqui o que interessa é divertir e fazer refletir sem um paradigma acadêmico, não é um Teatro de tese, é um Teatro de catarse. Dorothy Garland, agora Dona Doró, com suas rezas, santificações e curandeirismos tropicais é o fio condutor desta trama engraçada, e não poderia ser de outra forma. Desde o começo, quando os índios entoam o “sumuéoverreinbounis”, percebemos que o riso é a tônica, o exagero e a
bufonaria, a transgressão é o fato máximo desta montagem.

Michel Guerrero está em seu auge interpretativo, consertando cenas e imprimindo uma força de interpretação para sua Dona Doró, é tão bom vê-lo em cena integralmente, sua máscara que cola em nossa mente e nos leva ao riso, suas falas que combinam algo de grave com um cômico contido, suas lições de moral às avessas, sua elegância em todos os aparatos que necessita sua personagem e que mesmo no erro funcionou ali, numa cena onde o público reconheceu de imediato que estava diante de um grande intérprete, aplaudindo freneticamente a cena em que a tampa do telefone despenca e num átimo de ação Miche/Dona Doró chuta para a lateral o artefato. Cena que vale ouro, o tempo preciso que o ator fez torna-se parte da ação, sensibilidade e antevisão de cena, e isso não é todo mundo que consegue. Michel Guerrero, definitivamente, fez uma das personagens de maior carisma de seu vasto repertório. Essa Dorothy Garland que se apaixona pelo passado que não tem mais fim em sua memória, que transita elegantemente em torno do caos de La Zone, a real cidade escondida dentro da ficção. O entendimento que tenho deste trabalho talvez seja o do público comum: é um trabalho honesto em seus propósitos, em sua envergadura estética simplificada, em seu cenário amplo de sacos de ervas, em seu baú que ganha vida e torna-se um personagem-objeto que cria situações escandalosas e sexuais, de êxtase e de roubalheiras desenfreadas, e aqui Chico Cardoso foi mais uma vez feliz em tornar este baú o manancial de Pandora, com suas intermináveis multidões de desesperados que esperam a abertura de sua comporta, de sua tampa atroz.

A cena final, no World Trade Center, e o número coreográfico final, dizem muito desta peça, de sua energia contagiante, da audácia de Chico Cardoso em apimentar sua cena com imagens libertárias, fora de cartilhas partidárias ou de panfletagens que hoje cansam em relação às causas indígenas e dos caboclos ribeirinhos. Chico coloca os seres humanos em sua posição de motais, reles mortais, fadados ao erro, ao tumulto. Não há redentores, heróis indígenas, caboclos sofredores, este óbvio ululante não tem sentido aqui, num texto que cospe na cara de todos, que se esparrama de situações “pantagruélicas”, onde o que interessa é a diversão e a reflexão, e isso sem equilíbrios, tudo ao mesmo tempo. Não é, em absoluto, um Teatro cerebral. Erros existem em Dorothy Garland, mas os 24 ou 25 atores e atrizes fizeram o melhor, e a memorável atuação de Michel Guerrero com sua Dorothy atestam e comprovam, junto com os 600 espectadores: essa noite foi muito divertida. Essa noite o Teatro me fez feliz.

Jorge Bandeira

Manaus, 31 de outubro de 2011.

CENAS DE DOROTHY GARLAND - 8° FTA



O Origem apresentou o espetáculo "Dorothy Garland", de Sérgio Cardoso e direção de Chico Cardoso no 8° Festival de Teatro da Amazônia. O espetáculo foi premiado em duas categorias, melhor ator para Michel Guerrero e melhor atriz coadjuvante para Juliana Mesquita. "Dorothy" vai entrar em temporada a partir desta segunda quinzena de novembro em espaços culturais de Manaus.

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

UMA COMÉDIA LAZONENSE

Arte do Cartaz
A comédia "Dorothy Garland", escrita por Sérgio Cardoso e dirigida por Chico Cardoso é uma montagem com os alunos do Ponto de Cultura Origem, dentro do projeto Ponte Teatral, que consolidou o núcleo de Manaus em sua primeira fase. Entre os mais de 25 aotres, que interpretam cerca de 40 personagens, está o ator veterano Michel Guerrero, convidado para interpretar Dorothy Garland. O espetáculo se utiliza de várias técnicas para estabelecer um humor surreal, adeuqado à proposta dramática de Sérgio. O elenco se envolveu em todos os segmentos da montagem, interpretação, coreografia, iluminação, cenografia, figurinos, adereços e maquiagem, num grande laboratorio de formação. A estréia é prevista para o final de setembro.

domingo, 5 de junho de 2011

PONTE TEATRAL - FASE 02


Após aprovação da prestação de contas da primeira fase do Projeto Ponte Teatral, do Ponto de Cultura Origem, terá início, dia 01 de julho, sua segunda fase. Desta vez será a implantação do Núcleo de Parrintins, que reunirá oitenta jovens das periferias da ilha para a formação teatral, enquanto o Núcleo de Manaus, inicia montagem de um espetáculo. Em breve divulgaremos todas as etapas desta fase. Na foto acima, Juliana e Eduardo, em cenas dos exercícios finais da primeira fase, a tragédia "Prometeu Acorrentado"